Tenho fome
Minha pele seca
Meus caninos enfraquecem
A catarata acinzenta meus olhos
São os anos de inanição, meu amor
Mas ainda olho o derredor com viço
Tenho dedos rijos e hábeis
Pés que andam
E uma certeza que me basta
São os anos em que a distância aproxima
Sinto o cansaço no ranger das falanges
Minhas veias entopem
Minhas unhas se alquebram
A cabeça lateja
São os anos do açoite, do sal espumando a ferida
Mas ainda pressinto um mundo alvissareiro
As flores me inebriam
Os cheiros me entorpecem
Constelações me abraçam
São os anos de meus cílios e nariz no purgatório
O meu peso debruça-se sobre minhas vértebras
A minha descrença malsã amarga meu palato
Minha desconfiança com toda a gente bifurca minha língua
Meu cinismo deita-se em meu colo
São os anos do tropeço, do manquejar, da turbidez da obviedade, meu amor
Mas ainda percebo a minha sorte
Em minha península és musa e flutuas
Caminhas como genteLevanta-te mulher
São os anos que me pedem agora o esboço de um sorriso