terça-feira, outubro 14

Sapatinho


Meus caros e parcos leitores, a vaca foi pro brejo - querem exterminar nossas crianças. Bem verdade, já faz tempão. Apresentadoras de TV ditando moda e mães loucas vestindo crianças com roupas que mulher nenhuma deveria usar em público não é novidade. Convenhamos. Shortinhos de malha adentrando hemisférios combinados com botinhas, tamancas, e blusas com decotes no umbigo, não dá. Se usassem entre quatro paredes, tudo bem. Mas aí, não. O divertimento passa ao largo. Também não dançam, descontraem, mal acocoram. Normalmente precisa-se de um macaco hidráulico para descolar os joelhos das malandrinhas entupidas de vodka. Em vez de orgasmos, lágrimas de culpa, insegurança e jorros de vômito cor de menta.
Quando vejo guriazinhas que mal aprenderam a caminhar andando desajeitadas sobre tamancos, tenho vontade de estrangular o pai e a mãe. Criança usa sandália, fantasia de sininho, chapeuzinho vermelho, princesa. Usa macacão com tiras de couro costuradas nos joelhos para proteger a pele dos raspões e das quedas. Usa camiseta, que de preferência chega ao fim do dia implorando por água e sabão.
Pelo amor de Deus, são crianças. Para aprender a equilibrarem-se são necessárias árvores, cordas, amarelinhas e elásticos. As pequeninas não aprenderam nem a correr sem tropeçar nos próprios pés e as loucas das mães já fazem delas mulherzinhas. Haja ortopedista, psicólogo e remédio controlado para dar jeito nas adolescentes que virão. Vai ser tanto do grilo nas cacholas que inseticida nenhum se arvorará a dar jeito. E pode ser ainda pior. Imaginem se os grilos extinguirem-se. Aí restará apenas um vazio filosófico lançando-as a um mundo de mentirinha onde se premia o tamanho das nádegas e o furo que vem no meio. Mais os peitos, panturrilhas e a altura do salto.
Agora alguns canais de televisão e a indústria do entretenimento fazem novas investidas. A Disney, por exemplo, está pegando pesado na programação para adolescentes. Mas as produções são tão abobalhadas para o público alvo que quem acaba assistindo, se o pai e a mãe permitirem, são as crianças entre sete e dez anos. E lá vai a vida como um índice - as etapas abreviando-se, a luz da brincadeira se extinguindo. Ora, pois, vale o lembrete, e qualquer antropólogo ou sociólogo de botequim disso sabe: o dia que não brincarmos mais, será também o dia em que pararemos de evoluir. Ludicidade, curiosidade, descoberta e evolução são frutas do mesmo pé, não se apartam. E se a primeira faltar, as irmãs nas ramas abandonadas negam-se a madurar.
Se a imagem que nos dão do mundo exige pressa, está na hora de nós, adultos, relembrarmos quanto valem os passos já fincados.
Quanto às nossas crianças? Que brinquem em paz.

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