terça-feira, setembro 30

Malhada


Quando completei dezoito anos, como todo mundo que tem bolas entre as pernas, fui prestar contas a milicada. Andava meio perdido escrevendo uns poeminhas. Lendo sem entender bulhufas - Goethe, Alighieri, Verlaine, Rimbaud, Ginsberg. Se não fosse a farda teria de ser a Abissínia, trilhos, escravas brancas e ópio. Como me faltava coragem para barcos bêbados, resolvi sentar praça.
Soldado do segundo pelotão da segunda companhia do batalhão de infantaria motorizado. No mundo da caserna, soldado de infantaria é quem leva o ferro. A idéia é o combate corpo a corpo.
Quando veste a farda, o recruta primeiro se fode, depois se fode, e no fim, se fode mais um pouco. No mês de iniciação te enfiam no internato. Trinta dias para esquecer o mundo civil, gritavam os sargentos durante as vinte duas horas que permanecíamos acordados. A época era cascuda, e os novatos tinham de ser preparados rapidamente. Ano de eleição, a primeira em mais de duas décadas. Se os comunistas ensaiassem vôos mais altos talvez fossemos para as ruas. Ao menos era a esperança de algumas patentes.
- Vais votar em quem? - berrava o sargentão.
- No Freire, senhor.
- Milico não vota seu porco, infeliz. E esse aí é amigo do barbudo sem dedo?
- Não, senhor. É de outro partido, senhor.
-Acha que eu sou burro, guerreiro? A merda é a mesma, seu avermelhado, comunista. Tu és um bosta. Um filho de uma mãe perdida, e agora tu és meu, seu caganeira, remelento, carrapato de capivara.
E dê-lhe paulada no capacete. Flexões, agachamentos e giros num pé só no prédio da companhia.
Passei três meses limpando o mijador de cento e vinte pirocas, algumas tomadas por cancros, fimoses e sífilis, fora a catarreira. Ter respondido aquela maldita pergunta me trouxe o inferno. Foi quando comecei a aprender a sumir, ficar invisível, a desaparecer no meio do oliva e ressurgir só na hora certa.
No quartel diz-se que há somente duas maneiras de fazer as coisas: com gosto ou com raiva, mas sempre com energia. Optei pela raiva. Quando avançava contra turba imaginária fincava a baioneta nos rins dos subversivos e berrava o mais alto que podia. Quando mandava a foice contra o capinzal na limpa do pátio, não sobrava nada. Se fosse varrer, gastava a palha da vassoura, se fosse cantar, era o mais desafinado possível, mas o mais alto também. E se fosse marchar, não havia quilômetro, terreno, ou peso de equipamento que me derrubasse. Assim ganhei o respeito dos cabos, da sargentada, do oficialato, e o mais importantes, dos meus iguais.
Foi me valendo de disciplina e paciência, e da noção do que acontecia em minha volta, que me mantive longe da cadeia e depois das faxinas e trabalhos pesados.
Mas o que te mata mesmo lá dentro são as guardas. Ao longo de um ano prestei setenta serviços como vigia da pátria. Frio, chuva, geada, sol de rachar lábios e queimar retinas – madrugadas insones e dias lânguidos. Horas olhando para o nada com um fuzil na mão. E esse era o maior problema. O nada suscita idéias, inquietações. Alguns piravam, e com poder de fogo ao alcance do indicador. No quartel tem todo tipo de gente. Pobre e rico, analfabeto e letrado. Bandidos, cafajestes, homem forte e homem fraco.
Passei uma madrugada pisoteando os miolos de um infeliz que enfiou uma bala na cabeça dentro da guarita. A ferrugem do sangue do cara até hoje me incomoda o olfato. Em serviço não se brinca nem brincando. Um vacilo, uma bobagem, e podes acabar na cadeia por anos, e então, adeus vida civil. Por ter sacado o perigo, tinha para mim que pelo meu posto ninguém passava. Minha arma, ninguém roubava, e ficar absorto, nem nas piores calmarias.
Foi numa noite de julho, fria de renguear cusco, com a neblina baixa e densa engolindo o posto avançado, que os maricás estalaram no matagal.
- Alto lá, nem mais um passo.
Mas do mato, veio ainda mais barulho. Carreguei a câmara do FAL e liberei a trava de segurança.
- Alto, seu bosta. Se avançar leva fogo.
E nada do mato acalmar.
- Merda, merda, merda. Mil vezes caralho. Ai, ai, ai... Comigo não. Disse em sussurros para o nada, apavorado, branco de medo.
Se invadissem por ali e não fizesse nada, acabava na cadeia. Se abrisse fogo em vão, inquérito, dor de cabeça, incomodação. Que sinuca! Apertei o gatilho e a bala afundou na terra. Era a última advertência. Ouvi as sirenes do batalhão acionando o plano de defesa enquanto a barulheira nas macegas crescia em minha direção. Conseguia escutar os coturnos da guarda assumindo posições, mas meu reforço tardava.
- Não vai dar tempo, Foda-se.
Taratatá. Três tiros e um corpo tombou. Pelo barulho, um corpo enorme.
- Que é que esse gordo queria, porra! Matei o gordo, matei o gordo.
Das macegas veio o lamento e a agonia. De tão alto parecia um mugido.
- Mas é um mugido, é um mugido.
Quando tocaram o farol, lá se viu a malhada no chão. Pobre da vaquinha. A língua de fora, a respiração ofegante. A soldadesca pulava enlouquecida. Uns já puxavam a baioneta para tirar-lhe o couro, outros anteviam a carne na brasa.
- Alto lá, gritou o tenente. Deixem a vaca morrer em paz. Oh, Bráulio.
- Sim, senhor.
- Puxa a reza pra encomendar a alma. É bicho, “mas tem alma sob o couro”.

sexta-feira, setembro 26

Urutu-Cruzeiro


Quando nasceu Garibaldo, o pai foi logo dizendo:
- Esse há de dar nó em rabo de Cruzeiro.
A mãe não gostou da anunciação, lhe cheirou a mau presságio. Dona Ana tinha suas razões. Do início ao fim da gravidez sentia o guri inquieto além da conta. Mal o embrião havia tomado forma e o piá já fazia força para sair. No sétimo mês não deu mais para segurá-lo, estava grande demais a chutar as paredes da barriga. Nasceu no meio da manhã embaixo dos lençóis que quaravam no varal. Escorregou pelo meio das pernas da mãe e pronto, despencou no capim alto. Quando o pai chegou, Dona Ana já o tinha no colo, quatro quilos de criança de olhos arregalados olhando pro mundo. Seu Toribio cortou o cordão com a faca de castrar novilhos e caminhou até a lagoa. Quando o mergulhou nas águas o alarido da bicharada correu os água-pés, e pelos tocos secos das margens ouviram-se os guizos das cascavéis.
Cresceu numa ligeireza espantosa e tudo foi fazendo muito cedo. Levantou e caminhou rápido demais, correu atrás de tatu e deu pedrada nas saracuras rápido demais, armou arapuca e pelou lebres rápido demais. Aos cinco anos tosquiava ovelhas no tesourão e capava bezerro feito peão crescido; e já aos sete, cumpriu a profecia do pai dando o nó na sua primeira Urutu. Nem bem fazia seus onze anos e dos brejos da região era monarca. Conhecia cada alagado, a infinidade de canais que interligam lagoas e rios.
Aos quinze anos, diante dos olhos vermelhos de Dona Ana, cismou de construir um navio.
- Saio pelo mundo logo em breve, que a avó dê pé às rocas e aos teares e o vôzinho esquente os caldeirões e venha com o tanino. As velas hão de ser coloradas.
A mãe atarantada tentava lhe devolver a razão:
- Um navio, Garibaldo, tu vais para onde? No fim de cada lagoa vêm os campos, e por lá tu já ficas encalhado.
- Ponho rodas no casco, respondia, se o italiano fez, também posso, e o mar ganho logo adiante.
- Mas em que propósito, desesperava-se a mulher, tens um mundo aqui, e aos teus pés.
- Me vou para fincar bandeiras que pra lá dessas terras está tudo virado e reina a desordem.
- Tu precisas é de um termômetro que a febre já te enlouquece.
- Se o piá quer dar ordem ao mundo, que se vá - gritava seu Toribio em reprimenda à mulher.
Um ano mais tarde, quando a madeira bateu na água, assim como no dia que chegou ao mundo, o alarido se fez mais uma vez. As velas estufaram-se aos ventos do sul e a proa quebrou o sossego da lambarizada. À frente, a Ururu-Cruzeiro talhada em carranca, mirando o norte pôs-se em alerta e esticou a língua no farejo.
Garibaldo ganhou as águas e com rodas improváveis atreladas ao casco, também os campos.
“Coloco barrigueira nessas mulas e quebro-lhes as queixadas com um bom freio de metal. Aí quero só ver se continuam essa judiação sem fim. Basta de piá ranhento e guriazinha de pé no chão. Chega de taipa como parede e morada sem reboco. Na mesa de todos outros há de ter muita lingüiça, carreteiro, trigo e feijão. Quero toda a gente estudada, sabida das letras, economias, leis e ciências”, ia ele assim tagarelando em solilóquios com a noite e as imensidões.
Três meses depois de sua partida avistou o farol, a saída para o mar. Hasteou no mastro alto sua bandeira e afagou a Urutu, mas no primeiro bafejo da maresia o mundo escureceu. O vento salobro entrou por suas entranhas e em sal o transformou. No convés, um punhado branco no sopro logo foi-se. Longe, lá na beira da lagoa, Dona Ana olhava quieta os peixinhos na linha da margem:
- Ai, meu Pai... Quem mais sabe, além de nós, que lambari não se cria em marola salgada.

segunda-feira, setembro 22

O rancho


Lá pros lados da Armação, no pé do morro da praia do Matadeiro, tem um ranchinho taipas tortas escondido entre as figueiras. Dona Lavínia toca o sítio com esforço, ela e as quatro filhas que foi adotando toda vez que as irmãs do sagrado coração apontavam na trilha com mais uma enjeitadinha - hoje, já todas mulheres moças que respondem pela assinatura que desenham com dificuldade em qualquer folha de papel que lhes alcança a mãe. Cega confiança em agradecimento à mulher, que mesmo com o útero extirpado jorrava leite pelas tetas a cada criança que lhe atiravam ao colo.
Plantam e criam por lá um bocado de tudo. Porcos, galinhas, codornas, patos e marrecas. Duas mulas para ajudar a revolver a terra, uma vaquinha bem boa de úbere, e três curiós que chafurdam alpistes e alegram os dias. Semeiam cebolinhas, repolhos, couves, tomates, cenouras, beterrabas e o que mais a terra já cansada permitir que cresça. Distribuem as verduras e leguminosas nos mercadinhos da região. Tudo muito orgânico como hoje se quer. Assim, em muitos jeitos, vão alinhando o caminhar. De segunda a quinta-feira, os dias passam entre enxadas, pás, arados e sementarias. Dá gosto de ver as gurias no mexe-mexe dos canteiros. Quando chega a sexta, dona Lavínia suspende a lida e o galo canta sem serventia. As moças dormem até o sol bater no alto da capelinha no monte das pedras. Enquanto a manhã vai andando, a manca toda banguela, que um dia apareceu não se sabe de onde e acabou ficando, mata uma galinha bem gorda e na lenha reforça o caldo do almoço.
A tarde se perde entre banhos e cheiros. Dia de navalha nos sovacos e virilhas, pinças e escovas. Oito pernas bem lisinhas que a água do poço amacia. Enquanto as bichinhas do barro se transformam e perdem-se entre talcos e pompons, a velha vai ajeitando o terreiro. Varre, limpa, enterra o folharedo pra lá da pocilga. Puxa as mesas e cadeiras de dentro - dá ordens dali mais acolá. Grita que a manca se mexa, pois a tarde já vai caindo. Passa revista nas bebidas e rapapés, futrica os caixotes atrás dos copos plásticos, sacode conhaques e canas de modo a memorizar o nível de cada garrafa. A renga puxa os fios, emenda as gambiarras, e entre meia dúzia de choques que a mantêm em alerta pendura as luminárias na figueira grande e já confere em dois pulos a vitrola e vinis. Com a noite enluarada, sete e meia já passadas, atrás do morro da Matadeiro, acende-se a lamparina colorada.
Galhofas, pés dançantes e risadas. Sob a figueira, ciscando no chão batido, cada um dos convivas há muito conhecidos cortejam as preferências. Já avançam todos nos tremelicos e papadas. Batem chapas em céus de boca, salivam e se lambem ao ver as guriazinhas tão tenras. Carne durinha, tetinhas empinadas, pelinhos perfumosos. “Ah, que graça e benção nos dá dona Lavínia”, mascam entre dentes e esfregar de mãos os orelhudos. Mas a velha, que de besta passa longe, só permite além da dança algumas mãos escorregadias e arretinhos fugidios sobre calcinholas. Enquanto a baba dá brilho às queixadas, a manca se arrasta a esturricar os copos. A alcoviteira, por sua vez, passa em ronda e recomenda moderação. É o sinal para que remexam os bolsos. Nota sobre nota em toda mesa por um bem comum. Se a quantia for satisfatória, ela manda vir a Ritinha por nome da satisfação. A branquelinha de natureza quieta, que dos lábios só escapam murmúrios, ilumina o terreiro. Ausente nas culpas, sem ter em vida batismo, página cristã, circuncisões ou gritos a Javeh, é o próprio orvalho umedecendo o arvoredo. Os narigudos juram pela vida e verrugas um momento a mais de mocidade. Querem-se mortos por um fluxo novo de sangue, desfalecem no vislumbre da carne que goza com as raízes da figueira. Pulam das cadeiras, apertam os bolsões das pálpebras, esfregam as varizes, em ais desconjuram os ossos carcomidos. Acabada a dança, lamentam os sacos rendidos e o trote da Ritinha lá sumindo na escuridão.
Estão exaustos, trôpegos, e vão pela trilha com o sol incomodando as vistas - Oxalá guarde a velha, a manca e as guriazinhas que ainda lhes permitem sonhar. Na segunda, pés e argila. E que a terra frutifique muitas folhagenzinhas, raízes e jacarandás.

quinta-feira, setembro 18

Serestas










Carro bom é o Doginho Polara. Poucos ainda rodam por aí. Painel de madeira, bancos estofados, câmbio longo, macio feito seda. Quarta marcha que estica dos trinta aos cem na brincadeira. E pára por aí mesmo, que Doginho é carro pra conforto e não velocidade. Foi num desses que aprendi a dirigir.
Faltou canha na festa em homenagem ao nosso deputado e o cantor e anfitrião mandou buscar mais trago.
- Sabes dirigir?
- Sei... Pero no mucho.
- Então te toca pro bolicho e pega umas rolhas com butiás, alfazemas e alecrins. A chave tá pendurada na gaita.
Não me assombrei. Tinha uns quinze anos e já era hora de botar cabresto nos motorizados.
Daquela noite em diante o Dodge virou parceiro. Noitadas de serestas e caça, eu mais o filho do cantor, um guitarreiro de mão cheia. Vez que outra o bichinho dava uma encrencada. Rompia uma correia, afrouxava uns parafusos, ou parava por falta de gasosa. Com cinco cruzeiros no tanque não havia milagre.
Mas quando engasgava dava boa causa. O carrinho conspirava por nós. Ficar sem condução rendia boas histórias, elevadas ao cubo é claro, para descolar uma Kit com sofá-cama e um banheiro com calcinhas dependuradas nas torneiras. Raramente comíamos alguém, não podíamos trair a confiança. O barato era dormir juntinho – e quem sabe(?), a semente estava no campo e outras noites viriam. E vieram com muita seresta. Até debaixo de janela de hospital chegamos a cantarolar. Obviamente para dar explicações ao delegado logo depois. Pela graça eu conhecia o homem, chegado a uma farra e freqüentador de tablados de centros de tradições. No plantão da autoridade, um branquinha de Santo Antonio da Patrulha e acordes missioneiros. Quando fomos embora recomendou ausência de cantoria a menos de mil metros de asilos, hospitais e casas de repouso. Nos bairros, liberou as serenatas e deu ordem para que não fôssemos incomodados.
Nosso costume era acabar a noite com um bom carreteiro para recompor a ossada e ganhar o dia. Se não tinha carne, era charque, se faltasse o charque era com bonzo e café forte - depois, óculos escuros e trabalho. Quem andava sem rabiscos na carteira ia cumprir os bicos compromissados. Os que nem biscates tinham solidarizavam-se. E como isso era levado muito a sério, ou ficava em vigília, ou ia ajudar o biscateiro com o serviço mais leve. Um dos nossos era habilidoso por demais. Entendia, assim mais ou menos, de elétrica, hidráulica, marcenaria, jardinagem, limpeza de calhas, higienização de canil... Enfim, coisas de toda ordem. Quem ia ajudá-lo ficava ao lado feito um dois de paus. Mãos nos bolsos, dedões e calcanhares disputando a base do chão, pálpebras semi-cerzidas de olho pequeno na empregada.
-Passa o jacaré.
-Tó.
-Isso é um alicate, cacete.
-Usa isso mesmo, porra.
-Não quer sair.
-Puxa com força.
-E se estourar o cano?
-Tem um rodo ali no canto.
-Então agarra as minhas pernas.
-Eu não!
-Pega, caralho.
-Pra que, seu bosta?
-Tô entalado.
-Sai daí de uma vez e dá de mão no cheque, amanhã tu terminas.
-A junta ficou solta, vai dar merda.
-Se reclamarem tu diz que foi a empregada que bateu quando foi limpar.
-Simbora.
Raramente participava dessas pequenas aventuras. Meu trabalho era outro. Na época, eu vendia armas de caça, revólveres, pistolas, galochas, armadilhas, anzóis e tudo mais que fosse imprescindível para um bom acampamento. As armas tinham nota e autorização do comissário meu amigo, que fique claro. A única irregularidade era a grana por baixo para o escrivão acelerar a emissão de registros e portes.
Para ficar acordado botava semente de guaraná debaixo da língua e uma cuspideira no chão. Encostava no balcão dos cartuchos e ficava de butuca nos peitos da Terezinha. Guaraná e peitões, receita boa para manter-se em pé.
Quando se achegava o arrebol, começava tudo de novo.
A viola com o Sérgio, o Lauro no vocal, o Agenor no coro e no deslocamento das bebidas, e eu no bongô. O Lauro não cantava nada, a gente dava graças a deus se ele não vomitasse entre um verso e outro, o Agenor normalmente derramava a canha nas congas e meias carpins roxas que não tirava nem para trepar, o que fazia bem pouco por conta de um bigode indecente, e é claro, das congas brancas com cadarço pretos que ele amarrava na canela. Tempos depois ele foi banido dos saraus quando se descobriu que gostava de coçar o cu com as escovas de dente das anfitriãs. Já eu não sabia sequer esticar o coro do meu instrumento, quem diria bater alguma coisa. Mas fazia de conta muito bem e com cuidado para não atrapalhar o Sérgio que era o único que sabia o que estava fazendo. Quando a cantoria era mais reservada e intimista, minha modéstia impedia que tocasse e gentilmente cedia o instrumento para alguém pagar o mico. Ficava com as declamações.
Acho que envelheci uns dez anos em dois com o giro alto daqueles dias. Quando fiz dezoito anos acabei no quartel. Nas noites de guarita continuei com o guaraná, mas em silêncio e sem peitões, meio chateado vendo o doginho polara passar na avenida em busca de tertúlia.

quinta-feira, setembro 11

Oftalmologista


Daqui a alguns dias completo quase quarenta anos. Apesar de ter sido um desportista, atacante de ponta e campeão, levo uma vida sedentária com muitos cigarros e alguma bebida. Na alimentação, pelo menos sem exames e com muito brócolis, vou levando. O caso é que não dá para ficar protelando, bate à porta a hora de abrir a porteira. Deixar adentrar por onde a vida inteira só saiu – à exceção de uma lavagem por conta de uma tarde comendo goiaba, admito. Para me preparar psicologicamente ando estudando sobre o assunto e também marquei hora na oftalmologista. Se for para fuçar em algum olho, acho sensato que seja primeiro nos de cima. Só depois vou procurar uma médica que entenda de próstata e leve jeito no trato com rabistecos. Isso já decidi, vai ser doutora. É coisa minha, sabe? Sei lá, pode parecer bobagem, mas com garotas fico mais à vontade, menos na defensiva. Para espantar esse medo, consultar a literatura médica ajuda muito. Já descobri, por exemplo, que não há a menor necessidade de ficar de quatro, basta deitar de ladinho. Outra coisa a atentar-se é fazer um histórico da vida pessoal da algoz. Não custa nada consultar a manicura da mulher. Vai que ela esteja num mau momento. Se estiver passando por uma separação traumática, por exemplo, a enterrada é certa. Não se dá nem o trabalho de cuspir, a bandida.
As mulheres com quem tenho falado sobre o dilema me têm tranqüilizado, cada uma do seu jeito. Minha mãe diz para “fazer esse negócio de uma vez”. Minha esposa fala quer que eu viva um tempão. Já minhas amigas são metidas a engraçadinhas e ficam com umas bobagens de “quem sabe tu pegas gosto”. Já minha sogra que é oncologista é puro pragmatismo: “tens que fazer e pronto”. Mas desconfio que para elas é mais fácil – pela natureza e conformação genética. Então resolvi consultar alguns amigos.
As entrevistas são difíceis. Todos falam muito pouco sobre o assunto. São respostas monossilábicas, não passam de um ah. Até reparei que uns e outros arrastavam um pouco o H, mas achei melhor não comentar. Quando sai uma frase, falta concatenação. Compreendi apenas algo sobre necessidades e circunstâncias. De resto são coisas soltas ao ar. Alguns amaldiçoam o avanço da medicina, o exame preventivo e o bom senso; o instinto de preservação e até a covardia frente à morte. “Mais vale um dedo futucando a cabeça por muitos anos do que um esquife feito às pressas”, filosofou um sem muita segurança, tentando ajeitar-se na cadeira com o olhar parado no nada. Um outro me confessou que fez pelos filhos, e agora, de uma hora para outra, “sem mais nem por quê”, começou a distribuir porrada entre a gurizada.
Noves fora, o caso é que estou numa sinuca de bico – esqueçam o taco, pelo amor de Deus. Chegou minha vez de enfrentar o imponderável.
Lembro que meus pais tinham um amigo cujo apelido era Piroca. Só entendi o porquê da alcunha quando descobri a profissão do homem: urologista. Achei engraçado o cara ter escolhido um trabalho desses para ganhar a vida. Olhar e mexer em pirulitos todo dia (?), gozado, né!? Tá bom, pensava eu, merecia o apelido e as piadas infames. Mas estou começando a achar que quem ria de verdade, por último por assim dizer, era ele. Agora aquele bigodinho ralo e os óculos grandões não me saem da cabeça.
Ai, que medo do Piroca. Ele que parecia tão amigo.

segunda-feira, setembro 8

Por Cora e Nina

O calor fora de época bateu na casa dos trinta. Além de quente está abafado. Um vento forte e quente sopra, zune, atiça a terra levantando a poeira que rodopia e vai tingindo de marrom o arvoredo. Os cães estão ouriçados. Rolam, coçam os olhos, esfregam os ouvidos no chão - desesperam-se para estancar o zunido. Nos pastos os potros trotam inquietos. É a primeira vez que experimentam tamanho sopro. Giram em volta das éguas, disparam em direção ao aramado e retornam às mães para cutucar-lhes os ventres e voltar ao útero. Como não conseguem, cismam com os quero-queros negando aos bichos acesso a cacimba. O juncal deita e chicoteia o espelho d’água. As saracuras na falta do abrigo correm atarantadas. Quem vai sem barbicacho corre abestalhado, revoluteia feito mariposa. São as ventanias de setembro conclamando tormentas. A coisa vai encrespar. Na fronteira o horizonte já se acinzenta. Quando o mau tempo chegar aqui e esbarrar no calorão as nuvens pedirão emprestado o verde do musgo e a força do gelo. O céu vai desabar.
Quando piazito, na casa de praia, recebíamos o temporal em festa. Casquinha torrada, puxa-puxa, mariola, toró em devaneio. As calçadas eram tomadas pelas águas. Saía a pedalo com a monareta dourada, o bando e o sulco para trás. Tinha um beco logo adiante. Para nós parecia longínquo demais, além mar. No fim, um sobrado abandonado lembrava um navio. A enxurrada trazia a areia, a rua ficava lisa, asfáltica feito o litoral que se alonga do extremo sul. A nau encalhada era um regozijo. Os pequenos piratas dançavam a conquista no sibilo dos ventos que açoitavam os pinheirais. Pilhávamos, dávamos velas aos mastros, ganhávamos um mundo que sequer imaginávamos. Quando as águas baixavam errávamos pelo bairro para avaliar os destroços, procurar pequenos tesouros perdidos, quinquilharias que o mar trouxera e deixara para trás no recuo. Mulheres e homens gritavam de suas varandas enlameadas para que voltássemos para nossas casas, que evitássemos as bocas de lobo abertas. Mas não, éramos exploradores que agora já se viam no pasto alagado. Com as cavalariças abertas pelo vendaval os animais corriam soltos. Cercávamos os zainos, ruanos, baios e vermelhos. Montávamos em pêlo, crinas entre os dedos, patas levantando o aguaceiro do charco. Que mundo grande aquele nosso! Mil tiros de laço não o prostrariam. Não precisávamos de mais nada. Se a peonada chegava e com o relho em riste nos fazia correr, ainda restava a captura dos gerinos desalojados de suas sangas. Um laboratório a céu aberto oferecendo experimentação. Levávamos para casa espécimes em diferentes estágios de crescimento. Queríamos ver a cauda cair, as pernas crescerem, o corpo achatar, mantê-los cativos até a metamorfose anunciar-se pronta no primeiro coaxo. Depois os devolvíamos ao banhado para que perpetuassem o ciclo e nos dessem mais filhotes na estação vindoura.
Os verões, os invernos, as tempestades, as gerações de sapos, rãs e potros, todas passaram.
O navio, os pastos, as sangas, os exploradores, não estão mais lá. Nem a casa e a velha italiana gorda que nos alimentava com tripadas, massas e doces para que tivéssemos sempre energia e imaginação para singrar vidas. Foi-se ela, nossa coragem, os dias intrépidos.
Acho que é por isso que quando o tempo vira, quando a tormenta se anuncia, quando a trovoada me faz surdo, o tempo volta pra trás. Se tudo se foi, me restou o vento. E abro os braços para ele – e que me leve, me leve. Me assanhe a alma, sacuda o meu corpo, embale meus braços e junto os novos berços de onde saltarão minhas extensões para perpetuar o ciclo - vicejar nas estações vindouras.

sábado, setembro 6

Casório


Quando eu mais minha prenda resolvemos juntar os trapos foi coisa rápida. Nesses assuntos não se justifica protelação. Tendo-se gosto um pelo outro se esticam as cobertas logo de uma vez e esquentam-se os garrões. Pedido feito e aceito, saímos à procura de um rancho que nos fizesse gosto, colocamos as anáguas e as bombachas no mesmo baú e de mala e cuia nos assentamos. Junto conosco, a guriazinha parida em outro casamento e hoje filha também minha. Xirú que se afeiçoa a galinha abraça também os pintos. Se não o faz, lhe faltam os costados. Isso já lá vai quatro anos, e outro dia cismei de fincar as botas no altar. Marquei a igreja, encomendei o padre, e dei notícia pros mais chegados.
Um dia depois de convocar a batina encosta na porteira a ajudante da paróquia empertigada em coques e crucifixos querendo saber da papelada e dos anúncios. Meio perdido, todavia de maneiras a não parecer desentendido, retruquei:
- O papel podes datilografar que borro o polegar sem medo, quanto aos anúncios, não te preocupas que já toquei corneta na família.
Meio desconfiada, ela explicou que se tratava de ir ao cartório dar entrada nos papéis para o rapaz da repartição avisar todo mundo sobre as intenções do casório.
- Mas eu já avisei. Está todo mundo a par, e fazem gosto.
- Não é isso. Vai sair nota no jornal, se alguém tiver alguma coisa contra, o padre não casa ninguém.
- A la pucha, como contra?
- Não sei, uns e outros podem ter motivo para o impedimento. Tem de esperar para mais de mês dando tempo para as reclamações. Se não tiver nenhuma, sai casamento.
- Como assim, agora para entreverar os pelegos tenho que pedir licença pros outros e dar orelha a ladainha? Já te disse que o pai e a mãe da prenda não desconhecem a situação. Não tem segredo, está tudo nos conformes.
- Não posso fazer nada, funciona desse jeito, não fui eu quem inventou. E mudando o rumo da prosa, o senhor não quer comprar a rifa da quermesse, ou doar umas tintas para ajeitar os santos que estão descascando?
- E santo lá é bergamota pra descascar? Se descasca não é santo, é pau oco.
- Malcriado, fariseu! Isso não vai ajudar nada nada com o padre. Aliás, o senhor tem ido à missa? E as confissões, estão em dia? E aquela guria ali no pátio é filha tua?
- Não, é filha dela.
- Não entendi.
- É só dela, de outro casamento. Satisfeita agora?
- Ah, então tem outro homem. Vocês fugiram?
- Pelo amor de Deus minha senhora, ela é separada.
- Sei, sei... O desquite já saiu, o divórcio tem carimbo?
- Já falei, ela é separada.
- E eu vou falar de novo, o divórcio tem carimbo? Ai, ai, ai... Aposto que nessa toca tem tatu. Acho melhor ligar pro padre.
- Mas que padre?
- Os documentos da criança, tu tens? O pai sabe que ela está aqui, a mãe, cadê?
- Trabalhando.
- Volta quando?
- Amanhã.
- Acho melhor ligar pro delegado.
Fiquei furioso. Só não descabei a madeira na carola porque sou homem de razão e percebi que a peleja não era com ela.
Meio a contragosto resolvi trotar na lei. Pus tento na papelada, dias depois dei vista no jornal e fiquei no aguardo dos impedimentos. Como não gosto que me peguem com as calças na mão fiz uma boa faxina na Boito. Lubrifiquei os ferrolhos, amaciei os gatilhos, calibrei a alça de mira e municiei a negrita com chumbo de matar pato. A garruchinha não precisou de muita função. Mantenho a pequenina sempre em dia que foi presente de um tio morto de muito apreço.
Bem sentado, que venham os reclamantes!
O chato de toda a história é que comprei missa e salão de festa sem saber das necessidades que os códigos exigem. E quem iria saber? Para que tanta bobagem? Se eu quero e ela quer, quem mais tem a ver com isso? Que metam as fusas no que lhes diz respeito? E esse negócio do pope? Quem ele pensa que é para não casar os outros? Afinal, além de rezar missa, encaminhar moribundo, comer, beber, dormir e bolinar beata, não é pra isso que padre serve? Precisa tamanha complicação?
Pois foi o mês, e no andar dos dias, contei para minha prenda sobre o intento que até então era surpresa. Ela ficou lisonjeada, feliz feito joão de barro depois da chuva. Mas dali a pouco travou o sorriso e montou careta.
-Mas o que foi?
-Não posso casar.
- Ué, mas nós já estamos amasiados tem anos, que diferença faz?
- É o desquite, falta o carimbo.

quinta-feira, setembro 4

Despautério


Isso é sério?




Os critérios avaliados para sediar uma olimpíada passam por tradição olímpica, força econômica, infra-estrutura, segurança interna e peso político. Não preenchemos nenhum dos requisitos. A cidade candidata então, nem se fala. Faltam hospitais e sobraram mosquitos. Voltamos à selva e os pernilongos matam como no início do século passado. Transporte público só é piada para quem não usa. Trens e metrôs? Sucatas. Já os ônibus, estão sempre superlotados arrastando-se feito lesmas por vais entupidas e enfumaçadas. De resto - carros, táxis, peruas ilegais, caos e buzina entre caveirões bloqueando acessos.
A segurança interna é de chorar. Não me alongo, o alvo é fácil demais. Polícia corrupta e despreparada, traficantes, milicianos e todo tipo de bandidagem a solta com armamento pesado cuspindo bala pra tudo quanto é lado.
Aos que abanam com o argumento do Pan-americano, recomenda-se parcimônia e bom-senso com a sensação de segurança e caixas pretas. Trégua, não vale. E se os problemas de infra-estrutura podem ser solucionados em menos de oito anos, o que duvido, será à custa de muito dinheiro público federal que premiará décadas de leviandades, falta de investimentos, roubalheiras e ausência de compromisso com a coisa pública por parte de sucessivos governos municipais e estaduais. Se for assim, todas as outras capitais dos estados da federação têm por direito e dever cobrar os mesmos recursos em igual espaço de tempo.
Quanto à tradição olímpica, não temos nenhuma. E não adianta choramingar por dinheiro. Em geral, a penúria é das federações e não dos dirigentes.
O investimento no atleta começa na escola pública. Educação física não é jogar uma bola no meio do pátio, quando houver um, é claro. São professores bem pagos, ginásios, quadras, pistas de atletismo e material esportivo. Projeto bom, seu Nusman, passa por políticas de incentivo a competições escolares municipais, estaduais e nacionais. Para os destaques das diferentes modalidades, bolsas de estudos e engajamento em centros esportivos de excelência custeados pelos impostos e geridos com seriedade por representantes da sociedade civil e federações. E para elas, eleições diretas com direito a voto para os atletas técnicos e dirigentes afiliados. Projeto bom, senhores cartolas e políticos de carreira, é botar dinheiro nos pequenos projetos que estão nas periferias de todo país tirando crianças das ruas. Iniciativas essas na maioria, capitaneadas por alguns abnegados que doam seu tempo e dinheiro ralos em nome do esporte e da comunidade em que vivem. Qualquer plano, delineamento, empreendimento, senhores, passa em primeiro lugar, em traçá-lo em nome do esporte e não por alforjes esturricados de moedas e vaidades pessoais. As estrelas de hoje e as que brilharão amanhã não deitam a barriga sobre o mogno dos gabinetes.
Pois então, quando tivermos cidades limpas, seguras, ordenadas. Escola pública de valor, centros esportivos, federações fortes e ilibadas, e por conseqüência, desempenho olímpico, pensemos em sediar evento de tal porte. Francamente, enquanto os coitados dos nossos atletas forem a TV para chorar e desculparem-se a nação, estaremos mal. Com todo respeito a vocês atletas, não se arvorem em achar que algumas parcas medalhinhas redimirão esse país e nosso orgulho. Não queremos heróis, mas sim crianças sadias, que porventura, tornar-se-ão atletas. E que então, pois, tenham um salário digno, condições de trabalho e orgulho de representar um país que apostou tanto no desmilinguido que melhorou a coordenação motora e hoje vive melhor, como naquele que se tornou medalhista olímpico.
Pequim não nos pertencia. A culpa não é de vocês. Muito menos do psicólogo que esqueceram de levar. A culpa é minha, do meu vizinho, dos meus concidadãos. De qualquer forma, que tal participar um pouco mais ativamente das federações as quais pertencem?

terça-feira, setembro 2

Maisena

Alguém aí já participou de um colegiado? Aquelas reuniões em que os notáveis de alguma coisa qualquer se reúnem para parolar e ajuizar sobre assuntos que urgem por solução, e de tão importantes, invariavelmente decide-se que é melhor não decidir nada.
Pois eu já, e lhes digo, não é fácil.
Entre os insignes sempre têm os de maior vulto - quem atesta normalmente é o papel - e todos acreditam piamente que o lustro maior é o seu próprio. É confusão que não acaba mais. Insinuam-se até os menos favorecidos que descobriram a pólvora das idéias e a esperança da sapiência. Como se bastasse às traças a gula por onde deitam as letras. E a percepção imediata dos acontecimentos, e a transcendência dos limites da experiência? Imaginação, quem sabe? Não! Listam livros e autores, desafiam-se mutuamente, se digladiam buscando o contrapé do oponente. Quando as batalhas começam opto pelo zelo e fico calado. Não sou sabido assim. Desconheço tamanhas bibliografias e o panteão de pensadores evocados. Prefiro recolher-me a minha insignificância e puxar conversa com um colega ao lado. Na falta de um parceiro, acabo folheando disfarçadamente um Bukowski. Vocês preferem “Notas de um velho safado”, ou “Hollywood”? Bem, invariavelmente, quando levanto a cabeça não se chegou a lugar algum. Eu, bobalhão, pego uma bolacha para mastigar, em colegiados sempre tem biscoito, e acabo concluindo que o importante mesmo é a maisena que forra o estômago.
Como não se decide nada, porque o nada não é tão simples, determina-se a formação de uma comissão. Não, obviamente, com poderes decisórios, mas para discutir melhor, refletir mais um pouco, em lupas, esmiuçar o assunto. E eu que gosto muito de atividades que envolvem lupanares, logo aponto o dedo.
Fico encarregado de missões bastante importantes. Guardo os papéis, prego bilhetinhos de lembrete das datas das novas reuniões e, um dia antes, telefono para todos lembrando do compromisso. Além, é claro, de implorar para não faltarem, afinal, são assuntos que urgem por desencadeamento e voltarão à pauta no próximo encontro do colegiado ainda não marcado. Encarrego-me também, e isso admito, por interesse próprio, das bolachinhas. Já salientei em textos passados que com fome perco os estribos, e é nessa hora que a gente diz um monte de besteiras. Como por exemplo, achar que entendi por que certos processos e meios de organização quando destorcidos abrem brechas para o surgimento dos Tchítchicov(s) da vida a encher o saco com almas mortas.
Mas não tem nada, não! Sempre fui a favor do debate, desde que no fim as minhas idéias prevaleçam, minhas ordens sejam acatadas e meus desejos saciados. Democracia é assim, pelo menos é o que tenho visto cá no país nos últimos anos. Um monte de gente discute, fala o que bem entende, exercita o livre pensar, mas a decisão mesmo é para quem pode, e obedece quem tem juízo. Justamente por termos tido muito pouco na hora de escolher que apita. Quando o que se mobiliza se desvia e em vez de ganhar corpo desmilingüe, nos resta o pasto, e quiçá, um tantinho de maisena.