quarta-feira, julho 13

Árvore Amarela


Tinha uma árvore amarela lá.
Ficava na curva da lomba
No calombo mais alto do barranco.

O tronco se erguia firme sustentado
Por raízes bem grossas e expandidas
Muito bem boas de esfolar os dedos num tropicão.
A coisa de quase dois metros –
Ou era eu pequeno demais
E tudo me parecia demasiado alto-
Ele dividia-se em dois e abria-se
Em forquilha. E depois em outras
Tantas mais até à galhada fina
Onde não nos arriscávamos a chegar.

Àquela altura toda até
Coragem de guri rende-se ao freio.
O tombo no fim do barranco
Seria grande demais.
Podia-se quebrar o pescoço
Fácil, fácil, ou definhar-se na andada
Do espinho da Coroa de Cristo
Na fronteira com a calçada.

Lembro do meu irmão de cabelos quase brancos
E de minha irmã quase parecida comigo,
Coisa de barbeiro setentista de um único corte -
Ou talvez àquela época, quem sabe, nós até nos parecêssemos,
Sabe-se lá (!) - escalando a portentosa aos abraços.

Dela, com os olhos além do baixio, enxergávamos
A linha do fim do vale e as montanhas
Que prenunciam a grande serra.
No meio do caminho das vistas, se fosse por julho,
Tínhamos a neblina do rio, que até hoje,
Lufa e levanta-se para quem se dispõe a
A vislumbrá-la para mais longe das ocupações
E dos tijolos assentados no charco.
Era uma umidade só no inverno
E um timbre trêmulo no mormaço do verão.
Era só olhar e ver.

Por aqueles lados é que se
Avolumavam os temporais.
Quando as nuvens rompiam o alto
Das escarpas incitadas pelo vento
Patagônico o mundo fazia juras
De desabar-se.
Entrar para a casa, procurar abrigo?
Qual nada!

Enquanto o gelo da ventania
E a lambada dos galhos não nos açoitasse
Até a espinha, não descíamos.
Só quando o uivo do mau tempo
Extremava-se em fúria
E a chuva fazia-se em agulhas e pregos
É que escorregávamos tronco abaixo.

Daí era bom tomar um banho bem quente
E pedir para a mãe ferver leite com pó ruim de chocolate
Para reavivar as tripas.
E então espiar da sala bem envidraçada e lacrada
As pedras de gelo pipocando no pátio.
Ô, barulho bom...
Confusão gostosa de telhas e granizo,
De água correndo com força para
O sumidouro da Três Marias.

Chato era saber que alguém teria
Que logo em breve sair para abrir o portão
Para o pai. Isso era ruim... Ruim demais.
Ele bem que podia deixar a merda do carro na parreira
E entrar pela frente.
Porra nenhuma (!), alguém tinha que ir.
E esse alguém não podia ser a mãe
Se quiséssemos evitar falatório e confusão.
O Pinto era pequeno demais,
A Betina, a guria e a mais velha – eu (?),
Eu era o homenzinho - eu sou o do meio.
A merda do cadeado seco de óleo
Ia acabar de foder com tudo. Qualquer imbecil preveria.
Molhaceira do caralho... Pantufas ensopadas...
Raiva do pai.

Em uma manhã, depois de uma noite de vento,
Acordamos e vimos o Ipê no chão,
E não reconhecemos o retrato da casa
E, muito menos, a linha do céu para lá do banhado
Que margeava o cânhamo
E contrasta com o verde da serra geral.

Uma outra árvore amarela
Foi plantada no calombo na curva da lomba,
E lá ainda está. Mas não é a mesma - nunca foi.
É que quando ela por fim ganhou corpo
Para abrigar a alcatéia de nossas almas
Já havíamos crescido demais,
Nos separado demais,
Acreditado que toda e qualquer
Leveza, cedo ou tarde,
Acaba tombando no repuxo do insustentável.

Quantas tolices nos contam,
E que por fim, subjugados,
Depositamos fé.

Pois agora,
Nem preciso de ipê vestido de amarelo
Para enxergar mais adiante.
Pois agora,
Eu também sou a escarpa, o granizo, o vento,
A minha garganta - e grito muito mais.

Um comentário:

Anônimo disse...

É a árvore amarela continua no
barranco,não dá mais flores,acho que
se foram com a infância dessas
crianças...mas,a doçura desta ima-
gem,me transportou a tempos riso-
nhos e felizes. Que saudades!
Obrigada,bjos
mãe