quarta-feira, fevereiro 11

Expedição


Aventura, esporte radical? Esqueçam asadelta, montanhismo, paraquedismo, rafting, tiro ao alvo em mendigo, expedições à África Central. Se quiseres tu adrenalina, faça um filho. É fácil. Basta só colocar aquele negócio dentro daquele outro negócio e esperar nove meses... com o cu na mão.
Exemplo bobo para justificar o ânus no andaime? Cinco ou seis dedos?
Quer complicar? Repasse os últimos quinze anos da vida que levaste. Alô, show de horrores. Bom dia, trem fantasma.
Isso sim é radical. Ficar matutando sobre o grau de imundície e contaminação da tua semente e ficar torcendo para quem venha adentrando o mundo não herde o fardo de uma vida ligeira.

A porrada do susto passa quando a gestação já vai entrando no terceiro mês. A essa altura já abandonaste o discurso ateísta e te transformaste num agnóstico amedrontado.
Quando chegar o quinto mês e tu olhares a barriga da prenda com um caroço movediço andando de um lado pro outro, e fores chutado no meio da noite por um alien escondido na barriga da tua mulher, tchauzinho big-bang, darwinismos e descrença esnobe. Tu entregas a deus e mente que o passado te faz hoje uma pessoa melhorzinha. E vê se aproveita o ensejo e pede para tua companheira voltar à velha forma.
Não que mulher grávida não seja bonita, coisa e tal. Basta relevar os inchaços, o nariz indecente, e fazer de conta que nem reparou na pata aqui, pata acolá.

Mas não te desespere, afinal tu já acreditas e a tua fêmea ainda está lá. Não se sabe bem onde, mas está. É só fazeres um esforço que tu enxergas. Se não, acalma-te. Depois do parto o nariz volta ao normal e a leveza do andar se refaz.

Mas nem te vai alegrando e podes ir recolhendo os assanhamentos. Aquele corpo e o tempo já não te pertencem. É tudo-tudo para a cria.
Mas daí tu olhas a pequena rindo com os olhos, e não terás tido na vida gozo maior. A vampirinha sanguessuga, que te cansa e te grita em qualquer hora e geralmente em todas elas, é tua costela, rins e unhas. É com teu braço que acalma e descansa.

Então tu te pegas capaz de todo absurdo. Plantas aipim numa nesga de pátio. Cavas um buraco até bem no fundo para dele brotar um poço - enfias um projétil na testa de qualquer alguém. Invocas a ti a ardência, a dor, a angústia, a existência trêmula. A ti chamas o constrangimento, a penúria, o medo, a dívida, o finar, se isso poupar os olhos do rebento do vislumbre de uma só mancha, de uma sombreadinha só de mácula.

E aí, irmão, a vida tua pode acabar-se como uma figueira velha tombando em final de tarde à beira de uma lagoa, porque em tuas raízes farão casa os lambaris. Como pontinhos prateados de luz ao entardecer eles chacoalharão as águas. Chafurdarão a madeira que apodrece fazendo do leito um caldo escuro, próspero, vigoroso. E o teu tempo, ainda depois do teu último galho tordo já afogado, desaparecido no juncal, será o teu tempo.
Sempre.

5 comentários:

Anônimo disse...

"Filhos,para que tê-los ?
Se não tê-los como sabê-lo?"
Sábio,Vinicius.As inquietudes e
turbulências serão constantes mas...
aqueles olhinhos sorrindo,apagam tudo. É isso ai,cara.

bjos Esa

Anônimo disse...

ai, que bom que a poesia voltou!! =) acho que vou dar um pulo nessas terras. Caso apareça por aí, te ligo pra visitar a família Leite Rost. (vou pedir o telefone por email). bj

Anônimo disse...

Ei, Marco, que maravilha! E te digo mais, filho é para sempre.
Beijão, Magdalena

Jana disse...

A cria é minha, o nariz também... Mas nem por isso deixo de assinar embaixo, e admirar o texto. Pode rir, pode xingar, pode reclamar. Filho é esporte radical. Hoje e sempre.
Jana

Unknown disse...

E ai Tchê!

A filhota tá linda. Esporte redical vc tira de letra, principalmente se é tão fofa como a tua.
Saúde e paz pra todos, Valeu a volta do blog.