sábado, fevereiro 21

Ciclo




Matem-me, por obséquio, nem o lixo recolho mais.
É o tempo das mulas sem cabeça dando-se por chegado.
O tempo dos caiporas, sem fumo, sem piteira.
O ensejo dos Curupiras em dentes verdes falecidos na mata.
Dias de Guaçu-boi - Boitatá caolho nas campinas secas.
Sucessão das horas do preto, sem mágica, sem fantástico.
É o tempo exilado nos ciprestes, sem Teiniaguá, cerro, Salamanca e Jarau.

Passo em passo, passa a canoinha e seu Caronte pelo Riozinho.
Passa a bruxa sem arquétipo, sem vassoura, sem chapéu pontudo ou tamancas.
É tempo dos ventos tristes - Bóreas em carrancas.

Matem-me, no obséquio, nem o lixo recolho mais.
É o tempo da hidrocefalia.
O tempo do rosto monstro, sem sombrancelhas, sem bochechas e nariz.
Hora e vez do beiço leporino, da boca retalhada, da baba seca na marca da sutura mal feita.
Época de cabeças orelhudas e dentadas postiças.
Ocasião do olhar sem têmpera, orfão do viço.
É o tempo exilado na pele seca - rugas em sulcos.

Passo em passo, passa a canoinha e seu moedeiro pelo Riozinho.
Passa o Jorge sem manto, sem espada, sem cavalgadura e dragão.
É tempo de Quimera - ausências de herois.

Matem-me, por obséquio, nem o lixo recolho mais.
É o tempo dos pastores sem cajado.
O tempo do ovelheiro sem lã, sem toldo, sem sineta e sandálias.
Noites das matilhas, da saliva medonha, do rosnar.
Ciclo das feras, dos grunhidos, do range-range que não cessa.
Anos da peste, do pus, de caninos ensanguentados.
É o tempo das buchadas abertas - tripas esturricadas ao sol.

Passo em passo, não tenho óbolo, sequer língua, para atravessar.
Passo em passo, adentro o irremediável.
É tempo de insanidade, sucessão dos versos sem clave, sem dó, sem sol.

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