quarta-feira, janeiro 5

Mãe, Irmãos, e uma desgarrada pelo mundo

Irmãos, mãe, meu pai morto, como eu andei distante. Tão distante que desconfio ter nascido longe ou descrente de deus.


Mas vou dar mais uma chance para o carinha.

- Se tu estás além dos platôs do universo, se tu és o átomo, a matéria bruta, o bafejo do pensamento, a mudez do verbo - se tu me és, agora te mostre. Se a minha vida boceja moribunda pouco importa. Já vivi meus sorrisos, já enterrei minhas tristezas. Distribuí o suficiente da água e do fogo. Minhas boas intenções e patifarias não sujeito a ti - as guardarei para mim. O que quero é que te reveles não me estendendo a mão, mas sim encouraçando a quem para ti murmura ladainhas e pulsa por vida.

Se estás por aí num lapso do tempo, numa folha, em um peido atravessado, em uma cólica impúbere, então leve minha mãe além do século. Continue a fazê-la a acreditar que lhe é possível subir em telhados, podar espinheiros, remexer na bolsa procurando moedas e as chaves do carro em frente do flanelinha, impunemente. Se não botares o dedo nisso, então não existes.

Irmãos, o que nos é importante? Nossas crianças que carregam o nosso nome? A esposa, o esposo? A pouca umidade relativa do ar, o pessegueiro que exige sacos protetores para seus frutos? Dentes brancos e couro sem marca de carrapato? Arre... como se há saber.

Ando volta e meia bebendo águas em vossas orelhas.
O cobre é importante, como sei. Fundamental, eu diria, é a prata. Mas o metal não passa de merda diante de vocês. E aí está o dilema. Dá para imaginar isso encilhado em um silogismo? Que bruta confusão!

Irmãos, quando comecei a rabiscar plagiando o “Corcel Negro”, sabia que me irmanava à disritmia. Sabia que o meu compasso não marcaria passo algum. Sabia que seria o prospecto de um eterno rascunho. Não tenho esquadro e réguas como vocês. Mal sei diferenciar um quadrado de um retângulo. Confundo as figuras, não me apercebo das medidas, escorrego pelos círculos. Mas sei que as coisas podem ter muitos lados: lados tortos, lados retos, ou lado algum. Não tenho terços, quartos, meias metades, não fraciono as coisas assim. Não que não gostaria de... é que simplesmente não consigo. Talvez tenha sido o cogumelo que comi no quartel, talvez nossa mãe, sem a má intenção, tenha me parido desse jeito. O caso, é que sou o hiato, e também o ditongo que cresce e desce.

Eu sou o balanço, a gangorra, o Trem Fantasma, o Mexicano, o Carro Choque, o algodão doce no parque Tupi. Eu sou a tatuíra, o girino, o funcho na boca do Campari. Sou o gavião, o pato afogado, a seiva do nó de pinho, a vassoura no camundongo.
Eu sou o susto que a negra nos deu.
Eu sou aquele que se xinga.

E tu Clarinha, vais ganhando o mundo por aí.

Um comentário:

Anônimo disse...

Para quem viu e viveu...poesia pura. As diferenças estão nisso,nem
todos são das exatas mas,os dons se
revelam de várias maneiras,como por
exemplo,juntar palavras e delas fazer
textos encantadores,poéticos e às
vezes amargos. Cada um deve ter a co
ragem e a decisão de tornar estes dons verdadeiros e deles fazer vida.
Temos que enfrentar os espinhos pa-
ra ver as flores,é o destino...
O que seria do amarelo se só existisse o vermelho.