segunda-feira, dezembro 20

A vida útil, apesar do tempo - Cartas I - A Estrada



Toca a tróica, Marco - levanta o pó. Deita os olhos na risca do horizonte que lhe sorri, corta, zomba, transpira, e que inevitavelmente acabará te matando. Ainda assim, crava as esporas no desejo e no por lá adiante que te espera com a conta na mão.


Andei por muitas terras, planícies e platôs vastos formando confins. Barrancas vermelhas no Uruguai. O Yucumã rasgando a terra e perseguindo o chão. Estepes, pampa, trigais, e um gado orelhano bufando contra a marca. Guaranis cambaleando pela fronteira, bugres prendendo o fogo na estrada. Comi a carne sem sal curtida ao sol até o início da putrefação.
Vi a índia bonita com os seios na geada.
Nas cidades, amontoado de gente e ruas de pessoas derretidas.
Céus de fumaça, fuligem e rinite.

E eis que chegaram as abelhas, a palha, São Gabriel.
Cidade quente, gente estranha – lugar de uma rua só. Sem cuidado a gente passa e já se foi. Na verdade, sem um bom motivo, lugar que sequer a gente entra. E antes de entrar sentei no aramado e expulsei com as unhas absortas os cupins do moeirão. O peito num fuzuê danado: uma bandinha desafinada num coreto mal erguido, crianças de tambor na mão .
Mas tu cresceste lá. Pisou o chão de lá. Vê beleza nas terras de lá.
E por isso, fui lá. Fui lá te buscar.
Uma brisa ligeira e quente bateu em minhas orelhas.
E entraste no carro, e tuas costas procuraram um ponto de conforto evitando a maçaneta, e teus joelhos apontaram para mim.
Desse dia nos apartaram os anos e os quilômetros de muitos dígitos.
Tudo que, de tão longe, parece logo alí.


Jamais esquecerei as nuvens carregadas, cinzentas,
Com suas imagens indescritíveis sobre o céu de minha terra.
Tão pouco dos meninos com um pênis obeso enterrado em suas bundas
Clamando por um telefone dourado para falar com Deus.
E deste que lhes responderia:

- Agora não. Ainda trépo com Maria.

Também não do horizonte açafrão
E das histórias de trapo escarlate
Se dirigindo para o norte,
Irredutivelmente para o norte.
Dos andarilhos cinzas- plúmbeos
De eucaliptos e intermináveis inalações.


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