terça-feira, setembro 2

Maisena

Alguém aí já participou de um colegiado? Aquelas reuniões em que os notáveis de alguma coisa qualquer se reúnem para parolar e ajuizar sobre assuntos que urgem por solução, e de tão importantes, invariavelmente decide-se que é melhor não decidir nada.
Pois eu já, e lhes digo, não é fácil.
Entre os insignes sempre têm os de maior vulto - quem atesta normalmente é o papel - e todos acreditam piamente que o lustro maior é o seu próprio. É confusão que não acaba mais. Insinuam-se até os menos favorecidos que descobriram a pólvora das idéias e a esperança da sapiência. Como se bastasse às traças a gula por onde deitam as letras. E a percepção imediata dos acontecimentos, e a transcendência dos limites da experiência? Imaginação, quem sabe? Não! Listam livros e autores, desafiam-se mutuamente, se digladiam buscando o contrapé do oponente. Quando as batalhas começam opto pelo zelo e fico calado. Não sou sabido assim. Desconheço tamanhas bibliografias e o panteão de pensadores evocados. Prefiro recolher-me a minha insignificância e puxar conversa com um colega ao lado. Na falta de um parceiro, acabo folheando disfarçadamente um Bukowski. Vocês preferem “Notas de um velho safado”, ou “Hollywood”? Bem, invariavelmente, quando levanto a cabeça não se chegou a lugar algum. Eu, bobalhão, pego uma bolacha para mastigar, em colegiados sempre tem biscoito, e acabo concluindo que o importante mesmo é a maisena que forra o estômago.
Como não se decide nada, porque o nada não é tão simples, determina-se a formação de uma comissão. Não, obviamente, com poderes decisórios, mas para discutir melhor, refletir mais um pouco, em lupas, esmiuçar o assunto. E eu que gosto muito de atividades que envolvem lupanares, logo aponto o dedo.
Fico encarregado de missões bastante importantes. Guardo os papéis, prego bilhetinhos de lembrete das datas das novas reuniões e, um dia antes, telefono para todos lembrando do compromisso. Além, é claro, de implorar para não faltarem, afinal, são assuntos que urgem por desencadeamento e voltarão à pauta no próximo encontro do colegiado ainda não marcado. Encarrego-me também, e isso admito, por interesse próprio, das bolachinhas. Já salientei em textos passados que com fome perco os estribos, e é nessa hora que a gente diz um monte de besteiras. Como por exemplo, achar que entendi por que certos processos e meios de organização quando destorcidos abrem brechas para o surgimento dos Tchítchicov(s) da vida a encher o saco com almas mortas.
Mas não tem nada, não! Sempre fui a favor do debate, desde que no fim as minhas idéias prevaleçam, minhas ordens sejam acatadas e meus desejos saciados. Democracia é assim, pelo menos é o que tenho visto cá no país nos últimos anos. Um monte de gente discute, fala o que bem entende, exercita o livre pensar, mas a decisão mesmo é para quem pode, e obedece quem tem juízo. Justamente por termos tido muito pouco na hora de escolher que apita. Quando o que se mobiliza se desvia e em vez de ganhar corpo desmilingüe, nos resta o pasto, e quiçá, um tantinho de maisena.

Um comentário:

Anônimo disse...

pelo visto anda sentindo saudade dos colegiados, onde Pinky and Brain atuavam sem acanhamento..rs.
Ah, eu vi esse vídeo e achei que o cara tem o mesmo humor que tu...hahaha http://www.circoarmado.com.br/jesusmechicoteia/autobarbeiragem/