quinta-feira, agosto 28

Gás


Estou em uma sala de vidro, em um computador que não é meu, em uma cadeira em que não ajeito a bunda, de frente para um corredor estranho. Ao menos estou só e posso soltar uns punzinhos de vez em quando. Só estou meio ressabiado com a câmera de vigilância. Sei lá, é tanta da tecnologia que fico desconfiado. Se não tem jeito, descontraio a carantonha como quem pensa na morte da bezerra, e mando minha brasa. Por via das dúvidas, resolvi trancar a porta e lancei mão de uma régua enorme, que apesar do frio, improviso como leque. Não sei se questões intestinais vos interessam. O tema é delicado e exige estômago. Mas vá lá... Eu sou um curioso do assunto.
Na absoluta falta do que fazer tenho pesquisado sobre a emissão de gás e as metodologias que se impõem para liberá-los. Singramos tempos difíceis. É o efeito estufa, o aquecimento global, os dias em Brasília, e a tão delicada parcimônia de julgamento para exercermos o politicamente correto. Há que se ter estudo. Afinal, ninguém dá ao mundo o aroma das rosas, senão elas próprias. Quiçá um dia, com o avanço das pesquisas. A propósito, já existe um abdicado grupo interdisciplinar que desenvolve estudos na estação espacial internacional. O problema, por ironia, é que eles têm trabalhado com pouco espaço e com ar reciclado. As turbinas de purificação são do tempo da guerra fria e o oxigênio já veio viciado. Por conta disso, alguns cientistas desistem e abandonam o projeto. Os americanos culpam o Khrushchov. Dizem que na época, deveria ter liberado mais verbas para MIR. Já eu acho que quem tá sabotando o projeto é o Bush, peidorreiro de marca maior.
Mas analisemos os dados.
Um vivente em boa forma despeja na atmosfera quantidade razoável de metano. Em média, são doze emissões por dia. Boa parte são curtas, apressadinhas, e gostam de espaços abertos. São escapulidas apertadas, um “ops, por essa tu não esperavas”. Chegam de susto num andar apressado, num levantar pernas descuidado. Pequenas bolhas, quase inodoras, insignificantes até.
Mas entre os apertadinhos, denominação da categoria, existe gaseificação mais perigosa. Surge esporadicamente, usa boina e é metida a independente. Cria pânico quando sem anúncio dispara: “deixe-me sair senão te explodo”. Intransigente, não costuma negociar. A solução é soltá-lo aos poucos no intuito de amenizar seu ímpeto. Com treino e disciplina o emissor transforma o rugido em miado. Só não pode fotografar, senão acaba virando mito e servindo de exemplo aos mais tímidos.
Já na categoria dos folgadinhos estão os displicentes. Chegam e pronto. Têm um ar de estamos aí, qual é que é? São despreocupados tipo: “nós já passamos por isso”. São os famosos queimadores de sofás. Gostam de aparecer entre os cobertores, nas longas viagens de carro, entre amigos e casais de longa data. Podem tanto ser barulhentos, como discretos, e o odor depende do mês e das contas por pagar. Não chegam a ser um grande problema. Usufruem de intimidade, são moderados, e não desejam mal a ninguém. É o peidinho classe média, sempre conservador.
Perigosos mesmo, e que têm dado muito trabalho aos pesquisadores, são os apocalípticos e não integrados. Esses são de matar. Supernovas a expandirem-se no universo. Não tem pra ninguém. Voláteis por suas características avinagradas, destroçam as capilaridades olfativas definitivamente. São produzidos pelo alto consumo de carnes, ovas de esturjão e Dom Pérignon. Mas acima de tudo, pelo “como, e daí? Fodam-se os outros”. Suas usinas geradoras têm estirpe: cardeais, bispos, grandes empresários, políticos de carreira e senhoras que presidem ongs para poodles carentes. Sua capacidade de infestar o ambiente deve-se a sua massa atômica extremamente pesada. Não tem quem possa com eles, não há ventilador que os disperse. O apocalíptico senta, cruza os braços e fica. Geralmente silenciosos, há exceções, e por vezes fazem barulho. E não adianta tentar prender, algemar, que eles te processam. São sempre, sempre, muito quentes. A temperatura elevada é proporcional ao tempo de maturação que pode chegar a quinhentos anos. Seu convívio com o emissor é longo, e pode inclusive passar de pai para filho durante gerações. Daí o seu alto grau de expansibilidade e putrefação.
Pois bueno... Além das categorias acima, existem ainda muitas outras, mas sem dúvida, são variações, com maior ou menor poder de impacto. São as emissões com crises de identidade e pouco caráter, capazes de qualquer coisa para um dia ser, ou ao menos conviver com os apocalípticos. Pouco se sabe sobre elas. Vivem pelas sombras tentando ganhar o espaço. Sabe-se sim que, justamente por isso, são muito perigosas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como diz a Jana : "o assunto é
mania da família."
A vó Onda então era mestre...

Anônimo disse...

Marco, este tema é a tua cara (sem trocadilhos, por favor). bjs

Jana disse...

Uma obsessão. Se ficar assim, só no discurso, menos problemático...
Beijo.

Anônimo disse...

Olha que estava demorando para o assunto vir à baila. A Jana deve ter ficado horrorizada e a Vó Ondina sacudido o esqueleto de tanto rir. Pena que a família não pode ler toda junta, para no final levantar os braços e gritar em uníssono "JANAÍNA" como fazemos cada vez que se toca no tema( de dez em dez minutos, em média).