terça-feira, agosto 19

Tempos difíceis

Embora o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o tal do IPEA, ande arvorado a tagarelar que a pobreza diminuiu, e que e a classe média ganhou milhares de novos sócios, etecéteras e blá, blá, blás, tenho dormido com a pulga atrás da orelha. Na verdade, são tantas que, vez que outra, me invadem os orifícios. Não sei se para servirem-se da cera, ou se só por atazanar.
Digo isso pelo que tenho ouvido do compadrio. Todos estão preocupados. As patroas armaram-se de facas e cortam o que vêem pela frente, o que tem causado um certo desconforto e um medinho disfarçado. Alguns admitem que têm urinado sentados e de porta fechada. As novas normas impostas pelas matronas em vistas de economizar alguns patacões variam muito, mas todas dependem do humor da mulherada. Luzes acesas sem necessidade e torneiras abertas têm dado mais confusão que de costume. Banhos demorados é gritaria na certa. Quem tem adolescente em casa escondeu as chaves dos banheiros. Telefone é severamente controlado. Algumas, mais radicais, tiram o cabo do aparelho e escondem o falante nas gavetas que filhos só mexem sob pena de descobrir que mãe também é mulher.
Até aí, não cheguei a estranhar muito, não. Mas algumas estão levando a coisa a extremos.
Conta-me um dos sujeitos que a Dona Marieta, vizinha do seu Lilica, cismou com a descarga da patente. Xixi para mandar embora, só depois do terceiro. Anota tudo na planilha. Quem fez, a que horas, e o tempo do aguaceiro que é medido num reloginho digital que ela encomendou no armarinho da Dona Mercedes. Quem faz de pé, se a água do joelho for muita, a orientação é descarregar na rua. A coisa ficou tão séria que, depois de botar ordem na própria casa, a dona deu para controlar as privadas do seu Lilica. Fica de olho espichado e orelha em pé, e até futricar na conta d’água do homem já futricou.
A vizinhança está em pé de guerra.
Uma outra, para espanto do marido, e da rua inteira que acompanha o caso, está obcecada com papel higiênico. A mulher, além de comprar agora só daqueles que arranham as sensibilidades, exige que eles durem o triplo do tempo de costume. Se ouvir queixa, embravece e manda pegar o jornalzinho que é distribuído gratuitamente no bairro. Outro dia, a amalucada estipulou que assoar o nariz, só quando for fazer cocô. A nora, que mora numa meia-água nos fundos do terreno, resolveu fincar matrícula num cursinho de origami, já que o ordenamento é aproveitar o mesmo pedaço de papel. Tá todo mundo preocupado em não fazer confusão e trocar a ordem do que deve se limpar primeiro. Seu Alaor, marido da danada, anda visitando algumas casas de repouso. Tá achando melhor que ela descanse por alguns meses.
Outro caso que armou o maior rebuliço é o desaparecimento da gataiada. Dizem os linguarudos que pra bandas da Lagoa Pequena, pros lados da chácara da dona Efigênia, tem um bocado de jaulas escondidas na mataria, e que a criançada dela até andou ganhando peso. E que o Pirulito, capetinha bom de funda talhada em goiabeira, tá até mais rosadinho. E lá isso, eu também notei. A coisa toda tomou tal proporção que chegou ao comissário. O homem tentou fazer orelha miúda pro sumiço dos bichanos, mas é tanta da reclamação que não restou outra saída se não botar dois praças na rua pra investigar o caso. Dizem que eles estão à procura de colaboradores que ajudem na empreitada, mas sabe como é... todo mundo reclama, fala, fica reinando pelos cantos, mas na hora de ajudar, ninguém sabe, ninguém viu. Até porque o delegado, de novo os linguarudos, é muito amigo da família, e mais ainda, da dona Efigênia. O pessoal já diz que as investigações vão dar em nada, e que no fundo, até é melhor que seja assim. Todos concordam que as noites estão mais tranqüilas, e que até a cachorrada anda mais quieta sem os gatos a miar.

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