domingo, agosto 10

O falecimento do mico

Eu, Cora, Urso, Sol e Pipa - Morro do Lampião

Moro no Campeche, bairro da ilha de Santa Catarina. Mais especificamente entre o mar e o morro do Lampião. Estou cercado pelo verde nativo.
Meu vizinho, um cara bacana, dono de casa como eu, é sensível além da conta, amante da bicharada. Fora os cães, que são uma penca, ele divide o pátio com cobras coral que descem do morro, e que ele se recusa a expulsar. Outro dia ele me chamou para ver uma das grandes, anéis lindos. Quando eu cogitei em matá-la quase que arrumo briga. Fiquei quieto e não quis comentar a morte do weimaraner que criava. Ele e a esposa diagnosticaram ataque cardíaco, mas agora começo a duvidar lembrando do inchaço no pescoço do animal.
Já pelo alto, ele costuma alimentar uma família grande de micos. Os macaquinhos chegam até a varanda do segundo andar através do bambuzal que se estende da casa até a primeira trilha do Lampião.
Vai que um bom dia, me chega ele atarantado, suor na ponta do narigão, quintal adentro pedindo socorro. Precisava do carro pra levar um mico pro hospital. Acalmei o sujeito e assuntei do ocorrido. Diz que estava alimentando a macacada como de costume. No meio do alvoroço um pequerrucho despenca das costas da mãe e cai no pátio. Prato cheio para o Bob, guaipeca ligeiro que em uma dentada deu conta do filhote.
Quando eu e mais Cora chegamos ao quarto, estava o bicho lá, estatelado no travesseiro, de barriga pra cima, pernas e braços abertos, em choque, mas ainda vivo. Fã do Animal Planet,
vi que a causa era perdida. Ele ainda tentou entre lágrimas, transbordado pela culpa, fazer massagem cardíaca com a ponta dos dedos grossos. Depois juntou as duas mãos à boca como quem vai chamar a cotovia e colocou-as junto à fuça molhada do moribundo para oxigenar a vidinha que ia embora.
Para não passar como o ruim da história achei melhor dar uma de SAMU. No caminho da emergência ele lamentava a tragédia em soluços. A Cora no banco traseiro de olhos esbugalhados não conseguia equacionar se aquilo tudo era normal, ou se a coisa não era pra tanto, e cerrava os lábios sem saber se em solidariedade ao vizinho ou ao macaco.
Na clínica, a veterinária sem entender tamanha confusão achou melhor encaminhar o paciente logo ao consultório. Minutos depois, com o auscultador enfiado nos ouvidos declarou o falecimento. Meu doce vizinho estava inconsolável. Insistiu, pediu que ela o ressuscitasse que tentasse mais uma vez. A moça, meio incrédula, respirou fundo. Quando ele rompeu o silêncio funesto que se fizera já conformado da morte, mas não do ocorrido e perguntou se deveria levar o cadáver de volta e entregá-lo aos cuidados da família a mulher ficou confusa, e procurou amparo na Cora que exigiu complacência.
Mais esforçada que pacienciosa, e desejando ter prestado mais atenção nas aulas de fenomenologia sociológica geral dos animais e seus ritos funerários, ela disse que não, que era melhor deixá-lo ali mesmo.
Já em casa, minha pequena ponderou: “Taí um amante dos animais e um cara com muita consciência ecológica”.

Um comentário:

Anônimo disse...

que massa tua narrativa! e aqui fiquei pensando: que bom pra Cora experimentar essa outra forma de viver (digo, fora de um apartamento), muito mais rica em percepções!