terça-feira, agosto 26

Jantar dançante


Sábado passado era noite de jantar dançante. Fui eu, mais minha sogra Magdalena, mais minha esposa Janaina, mais minha enteada Cora, mais a Nina, que ainda nada no bem bom da placenta, a guriazinha. Foi lá na Boca do Rio, no Ribeirão da Ilha. No convite dizia oito horas, e que era “imprescindível a apresentação deste”, mas como o pessoal gosta de chegar cedo, sete e meia todo mundo já estava aboletado em seu canto esperando pelo jantar para depois girar em dança. Era noite de festa-baile. No centro do salão, duzentos metros quadrados de parquet pra xirú nenhum botar defeito quando for bater os tacos na chula.
O povo chegou mais enfeitado que bidê de china. Seu Nenê, enfatiotado e de flor na lapela, ia altaneiro, passada larga, braço em arco para dona Mazinha apoiar o pulso todo colorido, perdido em argolas e todo tipo de bijuterias. Renomado pé-de-valsa da região, cheiroso além da conta, seu Nenê era uma indocilidade só. Queria pular a janta, fazer jus à fama logo de uma vez. “Comer, como em casa”, alardeava pelo salão, e principalmente nos ouvidos do cunhado enquanto lhe puxava os panos. Seu Marola, homem da pesca, comandante de rede que tirou do mar de uma só vez seis toneladas de tainha, pedia cuidado que os agarrões haviam de acabar lhe estragando as vestes. A calça de missa já não era tão nova, afinal. A camisa vinha meio amarrotada, é bem verdade, mas o paletó de gabardina de lã, a la pucha (!), dava tonteira de tão bonito. Ele jura pelos cardumes que ainda não estufaram suas linhas que foi ele mesmo quem tosquiou a ovelha e depois mandou fazer a casaca num tintureiro que se dizia também alfaiate. Como ele entende é de peixe, e isso, aqui não se discute, criou-se uma pequena controvérsia sobre sua destreza com o tesourão de tosa. Mas se o seu Marola contou e afirmou, há que se dar por fato.
Dona Neuzinha chegou com a nora, o filho e a netalhada que faz número de pelotão. Saia xadrez, cacharel de gola alta e um casaco que só de ombreira tinha meio metro. Presente de um caixeiro viajante que na década de sessenta travava comércio pros lados do Ribeirão. Homem pequeno de olho miúdo, um agiota nas finanças e escambos, porém tímido entre perfumarias, morreu sem declarar sua paixão.
Mas no salão, entre todos, quem mais chamava atenção eram as moças solteiras em prontidão de matrimônio. Ah, essas nem precisa dizer que mais vistosas só laranjas de mostruário.
Em suma, cada qual dos partícipes ia à sua estica. Cada um na sua preferência. Se as roupas eram velhinhas, têm preservação na naftalina, nos cuidados da lavagem, e na mestria do ferro de carvão. Porque esses de hoje em dia só servem pra dar choque e derrubar resistência.
A noite ia bonita, até que o dono do bufete resolveu esculhambar com tudo. Já que em festa concorrida não dá pra todo mundo encher o prato ao mesmo tempo, quem estava sentado na mesa da fichinha azul foi primeiro. Depois seriam as vermelhas, rosas, roxas, e por fim, verdes. Nem preciso dizer qual era a minha cor. Logo que chegamos escolhi uma mesa. Reparei no cartãozinho colorado, mas não sentei atenção, achei que fosse para algum sorteio sem importância. Acomodei as damas e fui ao bolicho vizinho comprar cigarros, quando voltei, meu lugar já era outro, e minha ficha também. Os ponteiros do relógio de parede já apontavam às onze horas, e nós de pandulho vazio. Minha sogra diz que com fome fico feito siri enlatado. Não sei bem o que isso quer dizer, sei sim, que num primeiro estágio, fico é descorçoado, e no segundo, enfurecido. Perco os estribos, rodo de um lado pro outro, caminho como quem marcha, xingo a mãe do bolicheiro. Quando finalmente consegui fincar o garfo num tatu recheado, aparentemente muito bem feito, a orquestra já atacava com “Amigos para sempre”. A essas alturas, seu Nenê chutava-me a bunda, ordenava aos gritos que saísse do meio da pista, e antes que desse de mão no tatu, arrastou a mesa.
- Quer comer(?), vai comer em casa.
- Mas seu Nenê, eu ainda não jantei, a minha ficha era a verde.
- A minha também. Se tu tivesses prestado atenção e ajudado a servir os netos da dona Neuzinha não ficava aí resmungando. Dá de sebo, magrelão. Tá na hora do baile.

2 comentários:

Anônimo disse...

Barbaridade!De texto bom,guri.
"Olha aí,este é o meu guri,olha aí."

bjos
Esa

Anônimo disse...

Muuuuuuito bom!!!! Este teu sangue gaudério quando aflora é o máximo!! Bjsss Betina